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quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

Nos 5 anos do Julgamento da Maia (III)

"Cresci sem pai e sei quanto isso custa"
in Público, 18 de Janeiro de 2007

D.R., agora com 23 anos, estava grávida de dez semanasEncarou o julgamento como "uma invasão da privacidade". Não acredita que antes das dez semanas haja vida humana - "Se há mazela, é em nós. Tinha vergonha de estar ali a ser acusada de um crime que para mim não existe". E aquilo acabou por ser menos pesado do que supunha no início, "graças" a quem se mobilizou para a porta do tribunal para as "apoiar", para lhes dar "força". Ultrapassado o mal-entendido do princípio, "sentimos um apoio enorme de todo o mundo", lembra. Ainda guarda "um livro com assinaturas de pessoas de todo o mundo". Noam Chomsky e Pierre Bourdieu estão entre os 1104 subscritores dessa declaração de solidariedade. E outro com "versos, poemas, frases, testemunhos". O interrogatório policial não a "assustou muito". "Ainda não sabia o que vinha a seguir". Tinham fotos suas a entrar em casa da enfermeira, o seu nome figurava na agenda da grande protagonista do megaprocesso, e havia uma carta de agradecimento assinada por si. "Eles falavam e eu dizia: "sim", "não". Só no fim me disseram que eu tinha sido constituída arguida". Em frente ao seu nome não constava qualquer referência a dinheiro. A enfermeira comoveu-se. Como acontecia com outras mulheres que, tal como ela, ali entraram pela mão de um assistente social e que ali pagavam menos do tabelado ou nada (ver texto ao lado). Morava numa roulotte com a mãe e quatro irmãos (um com paralisia cerebral e outro com insuficiência renal). A mãe estava desempregada, ela também. A família sobrevivia a custo com o Rendimento Mínimo Garantido. "Não tinha dinheiro para abortar, quanto mais para criar um filho sozinha...". A sua estrutura emocional também não a encorajava - "Estava triste. E desde miúda que tenho depressões". Como engravidara? "Quando uma pessoa de 16 anos se apaixona, pensa que é amor para toda a vida". O namorado tinha 15 anos e perdera o pai havia pouco, queria "muito ter um filho". E ela, embalada pela sua "ilusão", decidira fazer-lhe a vontade. Ao sabê-la grávida, o rapaz anunciou-lhe que não iria "acompanhar o crescimento do filho", porque, afinal, "não estava preparado". "Cresci sem pai e sei quanto isso custa, decidi interromper a gravidez". Se fosse hoje, "faria o mesmo". Magoou-a mais o fim da relação amorosa do que o abortamento. Refez a vida com outro rapaz com quem tem já dois filhos. "Correu bem.... Já não basta a minha vida ser um down!?"No julgamento, a rapariga tinha vontade de falar - "Não para me defender, para defender a parteira, para dizer: "Isto é ridículo! Tudo bem que há coisas para evitar [uma gravidez indesejada], mas pode acontecer a qualquer uma!" Não o fez, seguindo a orientação da advogada oficiosa que a representou. "Sabia que falar me prejudicava e a prejudicava...".