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quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Vozes pelo SIM: Xana


A Interrupção Voluntária da Gravidez
versus
A Não -Interrupção Consciente da Existência

Não quero ter filhos.

Em pleno século XXI, no seio de uma sociedade evoluída, esta afirmação deveria ser escutada com todo o respeito e um mínimo de atenção.
Se é verdade que pela nossa constituição biológica e desde que saudáveis, nos é possível ser progenitores, não menos verdade é que nem todos têm a capacidade ou inclinação para o ser. A tese de que o fim último dos Homens está na sua reprodutibilidade não é para todos fundamental, nem sentida como essencial. Do mesmo modo, a ideia de que a formação ou realização pessoal das mulheres, passa inevitavelmente pela maternidade, tantas vezes tida como uma “quase obrigação” social, assenta em argumentos muito duvidosos, diria mesmo, primitivos e de uma grande violência psicológica. A dádiva do amor dos homens e das mulheres nas sociedades contemporâneas tem muitos caminhos.
Considere-se ainda o caso daqueles que já são pais e não o podem ser mais sob o risco de colocar em perigo o equilíbrio das suas vidas pessoais e de toda a estrutura familiar existente, ao limite, o da própria realidade comunitária a que pertencem. Felizmente e depois de muitas décadas de luta, o controle da natalidade é aceite por todos. Mas, os acidentes acontecem. Não necessariamente por ignorância ou irresponsabilidade mas porque os métodos anti-concepcionais podem perder a sua eficácia em situações tão singulares, como é, no caso da pílula, a toma de um medicamento específico.
Perante a possibilidade de uma gravidez indesejada o que fazer? O peso da responsabilidade e a angústia, ensombram a cada minuto, o futuro de todos.
A deliberação é longa e só muito raramente a decisão tomada é impensada ou leviana. E se esta for a da interrupção da gravidez, temos, nós portugueses, que nos confrontar com uma outra angústia: O horror de uma pena que pode chegar aos três anos de prisão ou a outra maior, a de morte, desde sempre ligada à prática do aborto clandestino.
A sujeição a este castigo sustenta-se em que princípios? Sobretudo naquele que nos diz que um feto, mesmo no inicio da sua gestação é já uma vida. Logo, ainda que não se alegue de uma forma explícita, consideram-se assassinas as pessoas que recorrem a uma interrupção voluntária da gravidez. Raramente se discutem os danos psicológicos que um estatuto deste tipo pode provocar nas pessoas.
Seria longo esse debate mas, pela força das circunstâncias, somos obrigados a concentrarmo-nos no problema jurídico que por si só nos conduz à questão ética aqui levantada.

A pena de prisão aplicada em Portugal para os homicídios vai dos 30 anos à pena perpétua, enquanto que a prevista para quem interrompe o desenvolvimento de um feto é de três anos. Subentende-se já o princípio que pressupõe uma distinção entre a vida propriamente dita e a vida de um feto em gestação, isto é, entre o que consiste ser em acto e ser em potência. Mas se a distinção é correcta, o mesmo já não se pode dizer da contabilidade jurídica. Proporcionalmente, perante esta lógica, faria todo o sentido a proibição dos anti-conceptivos e a aplicação da respectiva pena, por exemplo, “passar umas tardezinhas na prisão” para quem fosse apanhado nas farmácias a comprar pílulas e preservativos que inviabilizassem as vidas em potencia, logo, as futuras vidas em acto.
A posição do Vaticano perante esta questão é mais coerente. Se é Deus e só Deus quem decide da vida, desde logo torna-se impossível toda e qualquer defesa que inviabilize a “naturalidade” da gestação, incluindo o próprio controlo da natalidade. Mas o Estado é laico, não se rege por verdades imutáveis, antes deve reflectir de acordo com a realidade mundana que, de eterno, apenas tem a sua constante transformação.
Partilho da convicção de que as sociedades democráticas devem exercer o princípio da tolerância para com as religiões, bem como, o respeito pela liberdade de cada um em adequar a sua vida aos diferentes dogmas, sejam eles islâmicos, católicos, budistas, judaicos, etc., mas o contrário também é desejável. Por outro lado, e no que se refere ao catolicismo, dominante em Portugal, sempre me pareceu desnecessária a luta da Igreja e da sua comunidade pela penalização jurídica aplicada às mulheres que optam por uma interrupção da gravidez. Isto é, se à luz do Novo Testamento e salvo algumas variações do protestantismo, o julgamento e o respectivo castigo pelos actos praticados em vida, não se efectua na Terra e com as leis dos homens, mas sim, depois da morte, perante Deus, nesse que é definido como um Julgamento Final, de que serve então a penalização na Terra? Que sentido tem este apelo à prisão por parte da Igreja e que se estende a todos, católicos e não católicos. Uma coisa é a legitimidade das religiões em orientar quem por elas quer ser conduzido, outra coisa é a imposição de princípios que para além de se contradizerem a si próprios, em seu nome, são exigidas acções coercivas executadas por instituições independentes como é, neste caso, o Estado Português.
Esta é desde sempre a grande fragilidade da Igreja, se Deus é garante de liberdade, porque não o são aqueles que defendem Deus.
Volto à questão ética da interrupção voluntária da gravidez. Aceito a tese de que um embrião com menos de dez semanas é já uma vida. Vou mais longe. Qualquer óvulo desde que fecundado, esteja ele num ventre humano ou numa qualquer câmara frigorífica, é já uma vida. Tratam-se de vidas latentes, em potência, possibilidades em aberto, por relação à vida existencial, plenamente actualizada. Não importa aqui voltar ao velho debate se a existência é mais do que a essência mas, perguntar se um ser, enquanto mera possibilidade, pode subsistir sem as condições mínimas, necessárias à sua existência. Ninguém é lançado nesse projecto, independente das condições psicológicas, físicas e até mesmo as de estrutura social que lhe permita responder às expectativas dos outros e, sobretudo, àquelas que construirá para si próprio. A possibilidade de uma não existência, é talvez a mais horrenda das penas aplicável ao comum dos mortais. Ninguém é, verdadeiramente, sem existir.
Quem, em primeiro lugar, é chamado a reunir as condições para cuidar da existência desse ser: os pais. E a quem, em primeiro lugar, são pedidas responsabilidades: aos pais. Não ao Estado, não à Igreja, a nenhuma outra instituição.
Por esta razão e de acordo com do princípio democrático da máxima liberdade / máxima responsabilidade, é aos pais a quem deve ser dada a última palavra, pois só eles têm a consciência profunda sobre o possível destino dessa futura vida, bem como, do destino das vidas já existentes.
Uma decisão como é a da interrupção voluntária da gravidez, não é fácil. Uma gravidez indesejada traz problemas angustiantes para todo o círculo familiar, por isso, em vez de acenarem com uma pena de prisão às pessoas em causa, seria desejável, um maior sentido de humanidade, de compreensão e sobretudo uma maior responsabilidade, pois esta leviandade de trato para com os que já existem, não é senão o prenúncio de como será tratada a existência no futuro. Aprenda-se primeiro a amar.
Xana