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quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

Nos 5 Anos do Julgamento da Maia (II)

"Sentia-me tão pequena"
in Público, 18 de Janeiro de 2007

E.F., agora com 34 anos, estava grávida de quatro semanasHá-de "amenizar" a dor "um dia", mas "jamais" esquecerá o julgamento da Maia. "Foi um julgamento conhecido em todo o mundo" e ela estava lá, a responder pelo crime de aborto. "É das piores coisas que podem acontecer... Foi a maior humilhação... Ainda hoje me custa falar... Tentei mesmo... aquela estupidez que se faz quando não se consegue ver mais nada..."O seu nome constava na agenda da parteira. A polícia chamou-a para a interrogar. E ela descoseu-se. Ao receber a notificação para comparecer no tribunal, "nem queria acreditar". "Fiquei burra para a minha vida!" O advogado oficioso, com quem nunca chegou a trocar duas frases, não apareceu no julgamento. Um causídico, ali presente, ofereceu-se para tomar conta do seu caso (e do de outras que, como ela, não tinham quem as representasse). Aconselhou-a a guardar silêncio. "Esse silêncio matou-me um bocado. Queria falar. Só pensava: "Já não basta o que aconteceu?""Não diz aborto nem interrupção voluntaria da gravidez (IVG). Protege-se com termos pretensamente neutros, como "aquilo" ou "isso". Ia fazer 30 anos, tinha três filhos, um emprego "incerto". O companheiro aguentava "dois trabalhos e perdeu um". "Não tinha escolha". Quando, "meio anestesiada", saiu da casa da enfermeira, "só queria esquecer". Mas roía-se o sentimento de culpa e a culpa agudizou-se com o julgamento. "Sentia-me tão pequena e não cabia em lado nenhum. Os juízes, ali sentados, a acusarem todas por igual. Puseram-nos todas juntas, como se fôssemos animais, para dizer: "Fizeram um pecado". Não nos conheciam de lado algum e julgaram-nos por uma coisa tão séria, tão íntima. Porque fazem isto às mulheres?"A mágoaDepressa se concentrou, à porta do improvisado tribunal, um grupo do Direito de Optar - Plataforma pela Despenalização do Aborto, empunhando cartazes com os dizeres "Aborto: O crime está na lei". Houve um inicial erro de interpretação, talvez pela fraca literacia de umas tantas. "Algumas achavam que elas queriam dizer que nós tínhamos cometido um crime", lembra. "Duas até lhes fizeram frente, armaram zaragata". Depois, "entenderam". "Acho bem que tenham estado ali. Tinham voz, diziam o que nós não podíamos dizer, o que era de direito". Passaram cinco anos, o julgamento ainda a assombra. "Há um clique que, de vez em quando, dispara. Há aquela mágoa. Quando me lembro daquelas pessoas a olharem para nós, a apontarem o dedo. Às vezes, apetecia-me dizer: "Tenho crianças em casa!" Outras vezes: "Fi-lo! E agora? Vão-me prender?" Mas, se abrisse a boca, ia mesmo presa e o que ia ser dos meus filhos?". Não repudia a enfermeira - "Ela ajudava as pessoas que a procuravam. Enriqueceu? O nosso Estado obriga a isso. Isso não acontecia se o Estado legalizasse [a IVG]". E "se o Estado apoiasse" a maternidade, E.F. não teria abortado. O seu sentido maternal é denso - "Acho que tive mais três filhos para compensar. Se não os tivesse, acho que não conseguia suportar isto." Só ao engravidar do sexto, agora com 15 meses, laqueou as trompas. A.C.P.