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terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Vozes pelo SIM: Maria do Céu da Cunha Rêgo

Pare, escute e olhe
in Público, 6 de Fevereiro de 2007

Lembra-se das passagens de nível? Lembra-se das placas rectangulares onde se lê em letras grandes e grossas: "Pare, escute e olhe"? E quando o comboio lá vem, e enquanto passa, há um tttrrrrrriiiiiiiiiiiiimm estridente e salvador, a impedir distracções ou imprudências.
Esta é uma semana de Pare, escute e olhe, que o comboio é pesado e esmaga mesmo.
Pare uns minutos, que a confusão é grande. Já decidiu como vota no próximo dia 11? Já decidiu que não vota? Não sabe?
E se fosse você ou a mulher que ama, ou uma filha sua, ou uma neta sua, ou uma amiga querida a acabar de perceber uma gravidez que não queria, mas a saber que queria e queria mesmo interromper? Claro que a procuraria ajudar, se ela contasse.
Mas essa ajuda não seria sempre a desejar o melhor para ela? Ou a ajuda era, ao fim de zangas, sorrisos e lágrimas mais ou menos disfarçadas, "eu acho que deves ter a criança porque, porque, porque e porque e porque, e se a tiveres eu dou-te ou arranjo quem te dê isto e isto e mais isto e mais aquilo, e passarinhos e flores, e se tu não aceitares o que eu acho e não tiveres a criança, eu acho que a polícia te deve invadir a casa e revolver a vida, e que um tribunal te deve perguntar porque sim e porque não, e, se não ficar convencido das tuas razões, te deve dizer que o melhor para a sociedade é ires presa pelo teu acto e, já agora, desculpe lá, mas é a lei que me obriga, e nos obriga, a fazer isto"?
O que se lhe pede, a 11 de Fevereiro, é que diga se quer ou se não quer que uma mulher de quem gosta ou você mesma - se um dia for o caso, e vá-se lá saber o que a vida nos traz - seja devassada pelas instituições do Estado, humilhada e ofendida por terceiros e talvez privada da liberdade, porque não quis, com as suas razões de ser livre e autónomo, que o Estado e a consciência alheia a obrigassem a ser mãe à força.
Eu também concordo com quem defende que não se nos devia pedir isto. Tenho razões, que agora não é tempo de invocar, para discordar deste referendo. Só que ele está aí como um facto. E nós também temos que aqui estar como cidadãs e cidadãos a responder a um convite expresso para o exercício difícil da cidadania.

Escute o silêncio para se ouvir a si e deixe falar quem fala. Já ouviu razões, argumentos e vaidades. Já ouviu a sobranceria e o falar fácil de muita gente que se sabe imune. Já ouviu as convicções sinceras e empoladas de muita gente que se acha iluminada e que gosta e que vive dessa exclusividade e dessa auréola. Já ouviu os entusiasmos fáceis de quem faz deste tema mais um, de perder ou de ganhar. E que pela vitória do seu grupo - ainda que o grupo agora até possa ser outro - faz tudo ou quase tudo.
Escute, na voz de uma mulher de quem gosta ou de si mesma, o desespero de uma inevitabilidade por razões da sua própria vida que não quer expor à validação de estranhos.

Olhe para as mulheres de quem gosta. Deixe as outras, as de quem já gostou e as que detesta mesmo. Olhe por si. Pense por si. Não quer confrontar-se com as suas próprias contradições e prefere não votar? Assim já não tinha tido nada a ver com o desfecho, nem teria problemas de consciência? Engano seu. Se não votar, terá sempre na consciência o remorso da ajuda que não deu para evitar, podendo fazê-lo, o agravamento insuportável da dor de uma mulher de quem gosta ou de si mesma, se um dia tiver que interromper uma gravidez.
Pense nas mulheres, nas jovens da sua vida. Podia ser com elas. Olhe-as nos olhos e veja se é capaz de lhes dizer que, se num tempo de angústia mas também de certeza, ao saberem de uma gravidez que não previram nem querem, insistirem na maternidade consciente que a Constituição lhes garante, você não se importa ou você quer mesmo que o peso do Estado se continue a poder abater sobre elas e sobre as suas famílias. Como se já não bastasse, como se já não sobrasse tudo o resto.
Podia ser consigo. Vote por si. Vote por elas a 11 de Fevereiro.